Carta de Luis Fernando Verissimo
Que
me perdoem os ávidos telespectadores do Big Brother Brasil (BBB),
produzido e organizado pela nossa distinta Rede Globo, mas conseguimos
chegar ao fundo do poço. [...] Chega a ser difícil encontrar as palavras
adequadas para qualificar tamanho atentado à nossa modesta
inteligência.
[...] Pergunto-me, por exemplo, como um jornalista,
documentarista e escritor como Pedro Bial que, faça-se justiça, cobriu a
Queda do Muro de Berlim, se submete a ser apresentador de um programa
desse nível. Em um e-mail que recebi há pouco tempo, Bial escreve
maravilhosamente bem sobre a perda do humorista Bussunda referindo-se à
pena de se morrer tão cedo. Eu gostaria de perguntar se ele não pensa
que esse programa é a morte da cultura, de valores e princípios, da
moral, da ética e da dignidade.
Outro dia, durante o intervalo de
uma programação da Globo, um outro repórter acéfalo do BBB disse que,
para ganhar o prêmio de um milhão e meio de reais, um Big Brother tem um
caminho árduo pela frente, chamando-os de heróis. Caminho árduo?
Heróis? São esses nossos exemplos de heróis?
Caminho árduo para mim é
aquele percorrido por milhões de brasileiros, profissionais da saúde,
professores da rede pública (aliás, todos os professores) , carteiros,
lixeiros e tantos outros trabalhadores incansáveis que, diariamente,
passam horas exercendo suas funções com dedicação, competência e amor e
quase sempre são mal remunerados.
Heróis são milhares de brasileiros
que sequer tem um prato de comida por dia e um colchão decente para
dormir, e conseguem sobreviver a isso todo santo dia.
Heróis são
crianças e adultos que lutam contra doenças complicadíssimas porque não
tiveram chance de ter uma vida mais saudável e digna.
Heróis são
inúmeras pessoas, entidades sociais e beneficentes, ONGs, voluntários,
igrejas e hospitais que se dedicam ao cuidado de carentes, doentes e
necessitados (vamos lembrar de nossa eterna heroína Zilda Arns).
Heróis são aqueles que, apesar de ganharem um salário mínimo, pagam suas
contas, restando apenas dezesseis reais para alimentação, como mostrado
em outra reportagem apresentada meses atrás pela própria Rede Globo.
O Big Brother Brasil não é um programa cultural, nem educativo, não
acrescenta informações e conhecimentos intelectuais aos telespectadores,
nem aos participantes, e não há qualquer outro estímulo como, por
exemplo, o incentivo ao esporte, à música, à criatividade ou ao ensino
de conceitos como valor, ética, trabalho e moral. São apenas pessoas que
se prestam a comer, beber, tomar sol, fofocar, dormir e agir
estupidamente para que, ao final do programa, o “escolhido” receba um
milhão e meio de reais. E ai vem algum psicólogo de vanguarda e me diz
que o BBB ajuda a “entender o comportamento humano”. Ah, tenha dó!!!
Veja o que está por de tra$$$ do BBB: José Neumani da Rádio Jovem Pan,
fez um cálculo de que se vinte e nove milhões de pessoas ligarem a cada
paredão, com o custo da ligação a trinta centavos, a Rede Globo e a
Telefônica arrecadam oito milhões e setecentos mil reais. Eu vou
repetir: oito milhões e setecentos mil reais a cada paredão.
Já
imaginaram quanto poderia ser feito com essa quantia se fosse dedicada a
programas de inclusão social, moradia, alimentação, ensino e saúde de
muitos brasileiros? (Poderia ser feito mais de 520 casas populares; ou
comprar mais de 5.000 computadores). Essas palavras não são de revolta
ou protesto, mas de vergonha e indignação, por ver tamanha aberração ter
milhões de telespectadores.
Em vez de assistir ao BBB, que tal ler
um livro, um poema de Mário Quintana ou de Neruda ou qualquer outra
coisa…, ir ao cinema…, estudar… , ouvir boa música…, cuidar das flores e
jardins… , telefonar para um amigo… , visitar os avós… , pescar…,
brincar com as crianças… , namorar… ou simplesmente dormir. Assistir ao
BBB é ajudar a Globo a ganhar rios de dinheiro e destruir o que ainda
resta dos valores sobre os quais foi construído nossa sociedade.
Obs.: BBB* – Big Brother Brasil
( Luís Fernando Veríssimo )
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